Seis anos depois da tragédia que chocou o futebol brasileiro, a Justiça do Rio de Janeiro absolveu, em primeira instância, todos os sete acusados pelo incêndio no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, que resultou na morte de 10 jovens atletas das categorias de base, em fevereiro de 2019. A decisão foi proferida pelo juiz Tiago Fernandes Barros, da 36ª Vara Criminal, e ainda cabe recurso.
O processo tramitava desde janeiro de 2021, e os réus respondiam pelos crimes de incêndio culposo e lesão corporal grave. Segundo a sentença, não há provas suficientes para sustentar a culpa penal dos acusados, nem relação direta entre suas funções e as responsabilidades atribuídas pelo Ministério Público.
Justiça absolve acusados por incêndio no Ninho do Urubu
- Todos os sete réus foram absolvidos por falta de provas conclusivas;
- O juiz Tiago Fernandes Barros considerou a ação improcedente;
- O Ministério Público ainda pode recorrer da decisão;
- A tragédia matou 10 jovens atletas em fevereiro de 2019.
Qual foi o entendimento da Justiça
O juiz Tiago Fernandes Barrosconsiderou a açãoimprocedente, destacando que a cadeia causal do incêndio foi "difusa e complexa", o que inviabiliza a individualização de culpa.
"Ainda que o evento tenha origem tecnicamente identificada, a imputação penal exige que o resultado se insira dentro do âmbito de risco controlável pelo agente. No caso concreto, a cadeia causal apresenta natureza difusa, envolvendo múltiplos fatores técnicos e estruturais, o que inviabiliza a individualização de conduta culposa com relevância penal. Essa constatação não elimina a tragédia dos fatos, mas reafirma que o Direito Penal não pode converter complexidade sistêmica em culpa individual", afirmou o magistrado.
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) havia pedido, em maio, a condenação dos sete acusados após ouvir mais de 40 testemunhas. A sentença possui 227 páginas e foi tornada pública nesta semana. O Flamengo não se manifestou até o fechamento da matéria.
Quem são os réus absolvidos
Foram absolvidos Márcio Garotti, ex-diretor financeiro do Flamengo; Marcelo Maia de Sá, diretor adjunto de patrimônio; Danilo Duarte, Fabio Hilário da Silva e Weslley Gimenes, engenheiros ligados à parte técnica dos contêineres; Claudia Pereira Rodrigues, responsável pela assinatura dos contratos da NHJ; e Edson Colman, sócio da empresa responsável pela manutenção dos aparelhos de ar-condicionado.
Por que os réus foram absolvidos
Na sentença de 227 páginas, o juiz Tiago Fernandes Barros entendeu que não houve negligência direta por parte dos réus, considerando que suas funções não envolviam decisões técnicas ou operacionais sobre segurança e manutenção do alojamento.
O magistrado reconheceu que o alojamento apresentava irregularidades administrativas, como a falta de alvará de funcionamento, mas enfatizou que isso não configura, por si só, um fator que aumentasse o risco de incêndio. Assim, as condutas dos acusados não puderam ser enquadradas como culposas dentro do que exige o Direito Penal.
As justificativas apresentadas pelo juiz
- Marcelo Maia de Sá, diretor adjunto de patrimônio do Flamengo, foi acusado de omissão diante das irregularidades no CT. O juiz reconheceu que ele sabia da ausência de alvará desde 2012 e das autuações da Prefeitura, mas ponderou que esse fato não se relacionava diretamente à ignição do fogo.
"É verossímil supor que, na sua atuação profissional no dia a dia no clube, jamais tenha tomado conhecimento dessa situação? De modo algum. Mas disso não se extrai responsabilidade penal. Nessa perspectiva, certamente a ausência de um alvará ou certificado do Poder Público não redunda no incremento do risco de haver a ignição de uma unidade de ar-condicionado, não se podendo falar em previsibilidade nesse caso, portanto", diz a decisão.
- Márcio Garotti, diretor financeiro do clube, foi absolvido porque suas funções se restringiam à gestão orçamentária. O juiz destacou que ele não possuía formação técnica e não participava da rotina do CT.
"ANTÔNIO não é engenheiro, arquiteto ou técnico eletricista. ANTÔNIO tampouco frequentava o CT "George Helal" (…) não se poderia exigir dele o conhecimento de um problema técnico específico no ar-condicionado de um dos quartos do alojamento utilizado pelos atletas da base."
- Danilo Duarte, engenheiro responsável pela parte técnica dos contêineres, explicou que não participava da concepção de projetos elétricos ou estruturais. Sua atuação se limitava à coordenação administrativa e logística da empresa fornecedora.
A decisão ressaltou que ele não possuía expertise técnica para revisar materiais ou elaborar projetos de segurança contra incêndios, atuando apenas no apoio operacional.
“Não lhe cabiam atribuições de concepção ou execução de projetos técnicos de engenharia elétrica ou estrutural. Sua posição hierárquica era subordinada à direção administrativa e técnica da empresa, competindo-lhe sobretudo apoiar a interface entre produção e setor comercial, supervisionar cronogramas, acompanhar o fluxo de fabricação e viabilizar a logística das entregas."
- Fabio Hilário da Silva, engenheiro eletricista da NHJ, declarou que sua responsabilidade terminava na instalação inicial dos sistemas elétricos internos dos contêineres. Ele não cuidava da manutenção dos aparelhos, nem da obtenção de licenças ou certificações.
"Não integravam suas atribuições a manutenção periódica de eletrodomésticos instalados, a fiscalização da rede externa de energia, a obtenção de alvarás ou licenças de funcionamento (ou de certificações de uso e qualidade dos contêineres, no caso da NHJ) ou a implementação de sistemas gerais de prevenção de incêndio, deveres estes confiados ao próprio Flamengo e às demais empresas terceirizadas contratadas pela agremiação", destacou o juiz.
- Weslley Gimenes, engenheiro civil da NHJ, tinha função restrita ao campo construtivo, sem poder de decisão sobre escolha de materiais ou manutenção dos módulos.
"Com efeito, em consonância com as provas, pode-se afirmar que, dentro estrutura hierárquica da NHJ, WESLLEY desempenhava uma função técnica específica restrita ao campo civil-construtivo, sem poder decisório quanto à escolha de equipamentos ou à manutenção dos módulos ou sistemas posteriormente instalados", afirmou o magistrado.
- Claudia Pereira Rodrigues, responsável pela assinatura dos contratos da NHJ, foi isenta de culpa por não ter formação técnica nem participação em decisões sobre segurança.
"A participação de CLAUDIA restringiu-se ao campo administrativo-comercial da NHJ, circunscrita à negociação, assinatura e trâmite contratual, sem competência técnica para decidir sobre materiais, projetar, instalar ou manter sistemas."
- Por fim, Edson Colman, sócio da empresa Colman Refrigeração, que realizava a manutenção dos aparelhos de ar-condicionado, foi apontado pela acusação como o início da cadeia de eventos. No entanto, a Justiça entendeu que não há provas incontestáveis de conduta culposa.
A decisão cita o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, absolvendo-o por "insuficiência de provas, dúvidas incontornáveis quanto à origem da ignição e da ausência de prova inconteste de qualquer conduta culposa individualizável atribuível". Segundo o juiz, Colman cuidava apenas da manutenção dos equipamentos, não da estrutura dos contêineres.
⚠️ Agora!
Acabou de sair a sentença da Justiça sobre o incêndio no Ninho do Urubu, CT do Flamengo, em 2019. TODOS foram absolvidos.
A sentença tem 227 páginas. Segue abaixo a "Conclusão".
🗞 | 📸 @venecasagrandepic.twitter.com/weX1kC6KlF
— Planeta do Futebol 🌎 (@futebol_info) October 22, 2025
Histórico do processo
A primeira audiência ocorreu em agosto de 2023, e outras duas foram realizadas em abril e outubro de 2024. Ao todo, 45 testemunhas foram ouvidas, incluindo sobreviventes do incêndio.
O ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, teve o nome retirado da ação após prescrição da pena, por ter mais de 70 anos. O caso envolvia inicialmente 11 denunciados, mas quatro foram excluídos ao longo do processo.
A Justiça do Rio absolve todos os réus do caso do incêndio no Ninho do Urubu, onde morreram 10 pessoas em 2019.
A decisão saiu nesta terça-feira (21) na 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital e é assinada pelo juiz Tiago Fernandes de Barros.
Os jovens dormiam dentro de um… pic.twitter.com/e2UXZJVxKj
— LIBERTA DEPRE (@liberta___depre) October 22, 2025
O incêndio e as vítimas
Na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, um incêndio atingiu o alojamento de atletas da base do Flamengo, no Centro de Treinamento George Helal, conhecido como Ninho do Urubu. O local era composto por contêineres metálicos adaptados como dormitórios, e o fogo começou após um suposto curto-circuito em um ar-condicionado que ficava ligado 24 horas. O material altamente inflamável das estruturas facilitou a propagação das chamas. O CT não possuía alvará de funcionamento na época.
As vítimas tinham entre 14 e 16 anos:
- Athila Paixão
- Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas
- Bernardo Pisetta
- Christian Esmério
- Gedson Santos
- Jorge Eduardo Santos
- Pablo Henrique da Silva Matos
- Rykelmo de Souza Vianna
- Samuel Thomas Rosa
- Vitor Isaías
Desde o fim do inquérito, esse resultado já era previsto. Infelizmente.
A Justiça só consegue trabalhar com o que é apresentado a ela.
Os Garotos do Ninho nunca serão esquecidos. E tampouco os envolvidos nisso tudo
com @leitaolesliehttps://t.co/UGpCu9wbbFpic.twitter.com/Z9QaqxvNwY— Gabriela Moreira (@gabi_moreira) October 22, 2025
Desdobramentos e indenizações
Em fevereiro deste ano, o Flamengo anunciou que finalmente celebrou acordo indenizatório com os pais do goleiro Christian Esmério, a última família que ainda não havia sido compensada.
O atleta, de 15 anos, era considerado uma promessa do futebol brasileiro e integrava a seleção de base.
Outras nove famílias já haviam firmado acordo com o clube entre 2019 e 2021. Todos os valores são mantidos sob sigilo judicial.