Zagueiro Henrique, do Bordeaux, fala ao Sambafoot: “Desde criança eu tinha o sonho de jogar no Flamengo”

* Com Bernardo Peregrino Revelação do Flamengo em 2003, o zagueiro Carlos Henrique dos Santos Souza ainda guarda as intensas lembranças de disputar um clássico decisivo contra o Vasco num Maracanã lotado. Depois de deixar boas impressões ao torcedor da Gávea, ele ganhou destaque no futebol profissional, até que os caminhos abertos pelo técnico Ricardo […]
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sambafoot_admin
2012-09-25 18:12:00

* Com Bernardo Peregrino

Revelação do Flamengo em 2003, o zagueiro Carlos Henrique dos Santos Souza ainda guarda as intensas lembranças de disputar um clássico decisivo contra o Vasco num Maracanã lotado. Depois de deixar boas impressões ao torcedor da Gávea, ele ganhou destaque no futebol profissional, até que os caminhos abertos pelo técnico Ricardo Gomes o levaram ao Bordeaux, da França, onde está até hoje. Em terras europeias, Henrique construiu uma carreira de conquistas. Foi campeão da Copa da Liga Francesa em 2007, da Supercopa da França em 2008 e 2009 e do Campeonato Francês na temporada 2008/2009.

Nessa entrevista exclusiva ao SAMBAFOOT, o jogador relembrou sua trajetória, falou sobre a sensação de vestir a camisa do Rubro-Negro, opinou sobre a crise atual vivida pelo time da Gávea e disse que tem grandes chances de deixar o tradicional clube francês ao final desta temporada.

Você poderia falar um pouco sobre o seu início de carreira, relembrando a sua ascensão no futebol profissional?

Comecei em 2003, no Flamengo. O professor na época era o Nelsinho Baptista. Eu estava no time de juniores e precisaram de um zagueiro para completar o time principal num coletivo. Então, eu fui. O Nelsinho gostou muito do meu treinamento e logo depois precisou de um zagueiro para jogar uma partida contra o Juventude. Aí, ele (Nelsinho) optou por mim. Lembro que fui muito bem nessa partida, além de ter sido bastante elogiado por toda a imprensa. Só que, depois, eu tive o azar de não poder disputar uma sequência maior, porque o Nelsinho saiu e assumiu o Oswaldo de Oliveira. Eu tive que partir praticamente do zero, mas ele gostou bastante do meu trabalho e passou a me dar oportunidades aos poucos.

Você jogou no Flamengo desde a base…

Isso. Cheguei ao Flamengo com 12 anos.

E você também foi campeão Carioca depois…

A gente foi campeão carioca em 2004, com o Abel Braga, o primeiro treinador que me deu oportunidade como titular. Na época eu tinha idade de júnior, então quando precisava eu jogava no profissional. Quando tinha competição importante, eu jogava no júnior, como na Taça São Paulo. Aí o Abel assumiu. Na época eles estavam querendo um zagueiro experiente e trouxeram o Júnior Baiano. Eu fui jogar a Taça São Paulo, apesar de terminar 2003 como titular.

Eles estavam querendo ganhar a Taça São Paulo, porque o Flamengo só tinha ganhado uma copa, e falaram que iam colocar um time forte para ganhar mais uma vez. O Abel Braga foi ver os jogos da Copa (Taça) São Paulo e já me colocou de titular. Conversou bastante comigo. Fomos campeões cariocas, mas na final da Copa do Brasil (em que o Flamengo perdeu para o Santo André, em pleno Maracanã) eu tive uma infecção e não pude jogar, apesar de ter sido titular durante toda a competição.

Como foi a experiência de jogar e conquistar títulos pelo Flamengo?

Foi um sonho realizado, porque desde criança eu tinha o sonho de jogar no Flamengo. Nas peladas de rua em São Gonçalo, todo mundo era Flamengo e queria jogar no clube. Quando eu tive a oportunidade de passar no teste, ficava naquela expectativa. Todo ano subindo de categoria e cada vez mais difícil, mais difícil… E a gente via jogadores mais velhos com muita qualidade que não conseguiam ultrapassar a barreira para o profissional. Eu ficava naquela adrenalina.

As coisas foram indo devagar e de uma forma inesperada, por causa daquela história de faltar um para completar o treino. E, quando eu falo do título de 2004, eu me lembro do gol do Pet (referindo-se ao gol do sérvio Petkovic, que decidiu o Campeonato Carioca de 2001, vencido pelo Flamengo). Eu estava com os meus amigos na geral vendo o jogo e ficava imaginando que um dia iria chegar a minha vez de jogar um Flamengo x Vasco no Maracanã lotado, coisa de moleque. Três anos depois, aconteceu.

E você fez um gol de cabeça na semifinal da Taça Guanabara de 2004, contra o Vasco…

Isso. Fiz um gol de cabeça que até hoje eu me lembro. Também foi a realização de um sonho. Quando eu fiz o gol parecia que eu estava dormindo… Poder jogar no time em que eu sempre tive vontade de jogar e ganhar um título carioca…

Depois teve a final da Taça Guanabara contra o Fluminense, que o Flamengo venceu por 3 a 2…

Eu lembro, fiz um gol contra… (risos) Todo mundo na época falava “cuidado com o Romário”, mas ele não fez nada no jogo. Quando a gente estava ganhando por 2 a 1, um jogador do Fluminense foi à linha de fundo e meteu a bola para trás. Nisso, eu coloquei na minha cabeça: “cadê o Romário?”. Eu olhei para frente e não vi o Romário, mas aí a bola já estava em cima. Eu tentei tirar e acabei jogando contra o patrimônio. Depois, ainda bem que o Roger fez o gol (lateral-esquerdo, Roger foi jogar na Polônia e chegou a defender o país europeu na Eurocopa-2008).

Depois desse momento no Flamengo, você ganhou muita visibilidade, até que, em 2005, as propostas começaram a aparecer.

Eu tive algumas propostas financeiramente muito boas, só que os times não eram dos melhores. Teve proposta da Turquia, mas eu conversei com minha família e com o técnico Celso Roth e vi que não compensaria, porque eu era muito novo. Algumas equipes do Brasil também fizeram propostas, mas isso naquele momento não me interessou.

Quais equipes, por exemplo?

Na época, assim que o Abel Braga foi para o Fluminense, em 2005, ele tinha me procurado, mas eu estava machucado.

Na sua época, se ouvia falar muito de atrasos de salários no Flamengo – hoje ainda se ouve, mas antes era muito mais. Você passou por isso?

Antigamente era muito mais. A gente trabalhava dois meses para receber um. Entrava o mês e a gente nem esperava receber, era certo. Depois, quando o Anderson Barros (Barros foi diretor de futebol do Flamengo e, atualmente, é dirigente do Botafogo) assumiu, ficou em dia.

Você foi para o Bordeaux com o Ricardo Gomes, foi ele quem te indicou.

Isso, isso. Antes eu trabalhei com o Ricardo no Flamengo, mas só joguei um jogo com ele e me lesionei. Foi uma lesão grave. Depois, ele saiu e me indicou para o Bordeaux e, graças a Deus, deu tudo certo.

Como foi a adaptação no início? Jogar num outro país, numa outra liga, falar um outro idioma…

No início foi muito difícil, porque na época não tinha nenhum brasileiro que pudesse me ajudar aqui. Fui o primeiro a chegar junto com o Fernando (volante brasileiro, que hoje está no Al Shabab, da Arábia Saudita), sem conhecer nada da cidade, nada da língua. Praticamente foi na marra, com muita vontade. Muitos jogadores, quando vêm aqui para fora, não estão preparados. Eu também não estava preparado, até porque não tive uma ajuda muito grande do clube.

E como foi trabalhar com o Ricardo Gomes, um ex-zagueiro, com grande experiência internacional?

Para quem é zagueiro, é o melhor treinador que existe. Eu aprendi muito com ele de posicionamento e coisas assim. Eu me lembro que, no meu primeiro treino aqui, eu dei passe de três dedos, roubei a bola e saí jogando. Quando acabou o treino, ele me chamou na sala dele e eu pensei: “Beleza, ele vai dizer que eu treinei bem e eu vou ter oportunidade no próximo jogo”. Que nada… Ele me deu uma chamada e falou que o futebol lá não era assim, que eu tinha que ser duro, que esse negócio de sair jogando toda hora não existia. Aí ele me deixou um tempo fora para eu me preparar, para pegar massa muscular, e foi me colocando no time aos poucos.

E a mudança de mentalidade do futebol europeu em relação ao futebol brasileiro? Muitos jogadores falam que os treinamentos e a concentração são diferentes. Como você sentiu isso?

Os treinos são bem diferentes, a começar pela estrutura. Aqui a gente tem campos maravilhosos, academia, centro de treinamento… Quando acaba o treino, a gente pode almoçar no clube. E não tem concentração. A responsabilidade é do jogador. Se você não tiver cabeça pra descansar e se alimentar bem, vai jogar mal, o clube vai te vender, você vai ficar encostado e pode acabar treinando separado. No Brasil, muitas vezes, os jogadores se concentram dois dias antes de um jogo importante. Aqui, mesmo em clássico fora de casa, a gente só viaja no dia do jogo.

Qual foi a sua impressão sobre o trabalho da imprensa aí? É muito diferente do que acontece no Brasil?

Eu senti um pouco de diferença no começo. Pelo menos quando eu jogava no Brasil, a gente entrava em campo e vinham muitos jornalistas de rádio pra entrevistar. Aqui não, é tudo programado. Primeiro, tem que passar pela assessoria do clube, e só depois ela te pergunta se você tem vontade de ser entrevistado, em qual dia e em qual hora.

Conte como foi a construção de sua carreira no Bordeaux ao longo dessas oito temporadas.

Como eu sempre digo aos meus amigos e à minha família, foi uma benção de Deus. Eu não poderia ter vindo para um clube melhor, com a estrutura e o pensamento que eles têm. Apesar de que, quando cheguei aqui, o clube tinha acabado de se safar do rebaixamento, faltando uma rodada. Logo que cheguei, falei à imprensa que tinha vindo pra cá para ser campeão e até deram risada. Mas eu confiava muito no trabalho do Ricardo (Gomes). Claro que houve momentos muito difíceis, como quando fiquei lesionado, mas os momentos bons foram maiores que os ruins.

Quando você chegou à França havia um domínio do Lyon…

Verdade. A gente ficou batendo na trave um tempo, fomos vice-campeões no primeiro ano com o Ricardo. Mas ali não tinha como ganharmos. Depois, esse domínio foi acabando. A gente foi ficando em melhores posições, brigamos até a última rodada e fomos campeões com o Laurent Blanc em 2008/2009. Foi uma temporada maravilhosa, em que ganhamos os três títulos possíveis.

E como foi essa experiência de trabalhar com o Blanc, que também foi zagueiro, além de capitão da França e campeão da Copa do Mundo de 98?

Pois é, outro zagueiro, do mesmo nível do Ricardo, orienta bastante a parte defensiva. Lembro que, na época, o nosso time estava tão bom que nos comparavam com o Barcelona, nos chamando de ‘o Barcelona genérico’, devido ao toque de bola. No ano seguinte, ele trouxe três jogadores: o Gourcuff, o Alou Diarra e Diawara. Nossa equipe ficou muito forte. É uma pena que depois o presidente do clube decidiu vender alguns jogadores importantes e não pudemos dar sequência ao trabalho, como o Lyon fez. Se o time que foi campeão, incluindo o treinador, tivesse sido mantido, tenho certeza de que teríamos conquistado mais uns quatro títulos seguidos do Campeonato Francês.

Como são os treinadores da França? Você sente muita diferença em relação aos do Brasil, em termos táticos, por exemplo?

Em termos táticos, não muito. O que muda é a relação com o jogador, que aqui eles não são muito de conversar. Eles dão o treino, passam o que querem e você tem que fazer. O treinador fica mais no canto, só dá o toque final e quem dá as broncas são os auxiliares.

Como você avalia sua o seu desempenho nesse período na França? Considera que houve uma evolução no seu futebol?

Tive uma evolução muito grande com certeza. Sobretudo fisicamente. Quando cheguei aqui, eu pesava 80 kg. Ganhei nove quilos só de massa muscular. As pessoas falam ‘você é magrinho’, mas com o trabalho que o Ricardo passou para a comissão eu ganhei bastante massa. E como o jogo aqui é de muito contato, não tem muito toque de bola, isso também ajuda a melhorar o desempenho, porque o jogador fica sempre ligado para não ser surpreendido.

Você acompanha os jogos do futebol Brasileiro?

Acompanho sim, sempre que tem amigos jogando. No Flamengo, principalmente, eu tenho vários. Hoje os times do Rio estão bastante competitivos e sempre que eu tenho oportunidade eu assisto aos jogos.

E a situação atual do Flamengo, em meio a essa crise? Você tem acompanhado? O que acha de tudo o que está acontecendo na Gávea?

Acho que tudo foi feito errado lá no começo. O planejamento foi feito errado. Você pega também atraso de salários, o problema com o Ronaldinho, e isso acaba prejudicando todo o elenco. Espero que o time possa superar essas situações, continuar na primeira divisão, e que consiga formar um bom elenco no ano que vem para fazer bons campeonatos.

Como está a sua situação contratual na França? Pensa em voltar ao Brasil?

Essa é a minha última temporada e tenho 90% de chance de trocar de clube. Tive algumas sondagens e uma proposta concreta no Catar, mas achei que não era o momento de ir pra lá. Além disso, quando começou a temporada, eu tive uma pequena lesão que me atrapalhou bastante. Sempre dá saudade do Brasil, da família e dos amigos, mas o futuro a Deus pertence. Às vezes a gente pensa uma coisa, mas acaba não sendo aquilo que Deus planejou. Mas eu tenho que continuar jogando e esperando as oportunidades aparecerem. Quando eu e minha família acharmos que é interessante, a gente decide.