“O Brasil não é para principiantes”, estréia da coluna de Tim Vickery

Mais uma estréia de um colunista no Sambafoot! É a coluna do jornalista inglês Tim Vickery, correspondente da BBC de Lodres, jornalista que escreve na revista Wrold Soccer. Há 17 anos vivendo no Brasil, Tim tem uma boa visão do futebol e da realidade brasileira! Vale a pena conferir! *Tradução: Thales Machado Existe uma expressão […]
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sambafoot_admin
2011-05-16 23:01:00

Mais uma estréia de um colunista no Sambafoot! É a coluna do jornalista inglês Tim Vickery, correspondente da BBC de Lodres, jornalista que escreve na revista Wrold Soccer. Há 17 anos vivendo no Brasil, Tim tem uma boa visão do futebol e da realidade brasileira! Vale a pena conferir!


*Tradução: Thales Machado


Existe uma expressão maravilhosa brasileira que afirma que “mentira tem perna curta.” Ou seja, não chega muito longe. 
 

Honestidade é geralmente a melhor política, especialmente no início de um relacionamento. Então, mesmo feliz por iniciar uma série de artigos semanais no Sambafoot, há um protesto que eu tenho que registrar – o nome. 

  
Deixe-me explicar. Existe um programa de TV em que eu muitas vezes apareço no Brasil, uma mesa-redonda no canal a cabo da Globo, o SporTV. Eu presumo que sou convidado para fornecer uma perspectiva externa. Os jornalistas, todos os outros, são brasileiros. 


Algumas semanas atrás os jornalistas locais estavam reclamando sobre a cobertura dada pela imprensa internacional para a Seleção Brasileira, em particular ao fato de que, dificilmente, três palavras passam sem o uso da palavra ‘samba’. Fui perguntado se eu fazia parte desse processo, e pude facilmente responder que não. Nos dias atuais tenho a consciência para não ir por esse caminho. Porque consigo entender o incômodo dos brasileiros. Eu reclamo da mesma forma ao ler as manchetes na imprensa brasileira após alguma derrota da Seleção Inglesa – “A Rainha não vai ficar de bom humor ‘, e outros absurdos. 


  
Naturalmente, o movimento eo ritmo da música tem uma influência sobre a abordagem do futebol de diferentes culturas e nacionalidades. “Mostre-me o modo como um homem dança”, disse um importante técnico sul-americano “, e eu vou lhe dizer como ele joga futebol.” O bater dos tambores e da oscilação dos quadris são vitais para a tradição do futebol brasileiro, onde nem todos os passos existem para ser acreditados – algumas fintas são concebidas só para enganar o adversário. 


  
Mas toda essa coisa de “samba” pode ser exagerada. Primeiro, o Brasil é enorme, e o samba não é o ritmo preferencial em grande parte do país. O último homem a levar o Brasil a conquistar uma Copa do Mundo foi Luiz Felipe Scolari, que, como muitos dos melhores treinadores brasileiros de hoje, vem do Sul, uma região muito mais influenciada pela imigração européia em massa. Não é fácil imaginar um Scolari com samba no pé. 

  
Em segundo lugar, mesmo no Rio, o samba não é particularmente bem sucedido com a nova geração – embora eles curtirem uma derivação do samba, o pagode. E terceiro e mais importante, slogans simples sobre samba podem levar a sérios equívocos sobre a natureza do futebol brasileiro, 


Um país de imigrantes, o Brasil tem sido mitificado, mas não reconhecido, num processo em que o Carnaval do Rio de Janeiro tem desempenhado um papel fundamental. A celebração anual é usada para criar e divulgar o conceito de uma identidade nacional, de um brasileiro amante da diversão, das pessoas felizes em um permanente estado de celebração da dança. Na década de 1930, promover essa imagem era de grande interesse para Getúlio Vargas, uma versão tropical relativamente benigna e paternalista de Mussolini. Ele patrocinou o show, dando subsídios para as escolas de samba que botaram o bloco na rua – em troca, o tema tinha de ser o Brasil, abordado em termos positivos. Um golpe de propaganda. 


A realidade, claro, era que a vida não era Carnaval. Na verdade, a essência do Carnaval, de festa, é real por poucos dias, depois a verdadeira realidade é ligada. Os pobres vestidos como os ricos, na tentativa de arrematar as limitações de oportunidades do dia a no país, que o eminente historiador Eric Hobsbawm, uma vez descreveu como “o campeão mundial da desigualdade econômica.” 
  


Mitos semelhantes ficaram presos ao esporte nacional. O futebol brasileiro tem sido muitas vezes retratado como um Carnaval em chuteiras, os jogadores em campo mais interessados em se mostrar e curtir do que em ganhar o jogo, feliz pelo prazer de marcar cinco golos desde que eles possam também marcar seis, e  serão felizes, mesmo se eles não conseguirem
  


Já se passam mais de 14 anos, mas eu ainda estremeço quando penso no primeiro artigo que eu escrevi para a revista “World Soccer”. Era um perfil do jogador Carlos Germano, do Vasco da Gama, o goleiro que acabou indo para a Copa da França 1998, como reserva de Taffarel. 


Como seu nome sugere, o Carlos Germano é de descendência alemã, e cresceu em uma pequena cidade, predominantemente composta de imigrantes do velho país. Sua convocação para a Seleção, defendi em ignorância lamentável, foi a mistura perfeita – um pouco de um “estilo alemão defensivo” para sustentar o estilo brasileiro. 
  
Os fatos, porém, apontam na direção oposta. As defesas do Brasil em todas as Copas do Mundo são muito superiores às da Alemanha, e sempre foram. 
  
O Brasil, no fim das contas, inventou a linha de quatro defensiva, com o seu conceito-chave da cobertura defensiva extra. Eles ganharam a Copa do Mundo com ela em 1958, com o maior estereótipo “brasileiro” de todos os tempos, foi a Copa que os gênios Pelé e Garrincha jogaram juntos. Para todo o brilho de ataque dos dois, uma defesa “mesquinha” foi vital para o título – o Brasil não tomou um gol até a semifinal contra os franceses. Doze anos mais tarde, a equipe lendária de 1970 também foi à frente no jogo em termos de sua consciência defensiva. Quando perdia a posse da bola, a idéia principal era trazer todos para atrás da linha da bola. Técnico na época, Mario Jorge Lobo Zagallo, me disse que estava feliz em ver sua equipe como um protótipo da formação 4-5-1.


A idéia de que os brasileiros preferem se divertir do que a vitória é totalmente falsa – dizer isso a um comentarista da TV local e ele vai rir na sua cara. A vitória é tudo. A Formula Um tem grandes índices de audiência – quando um brasileiro tem a chance de ganhar. Esporte menores, como tênis e até ginástica, se tornam de alto nível midiático quando os brasileiros são bem sucedidos. Um casal de jornalistas locais recentemente me disse exatamente a mesma frase – acham que os seus compatriotas não gostam muito de esporte – eles gostam é de vitória. 


Talvez esta seja uma explicação para os números decepcionantes de público nos estádios no futebol brasileiro, já que apenas um clube pode ser campeão. Como podemos explicar que no Brasil do futebol supostamente maravilhoso, o público médio na primeira divisão é menor que nos Estados Unidos, na Major League Soccer? Na verdade, o primeiro relatório de inspeção da FIFA mencionou que um dos objetivos da Copa de 2014 é a de aumentar o número de pessoas assistindo aos jogos de dentro do país


Nada disso vai de encontro com o estereótipo prevalecente do futebol no Brasil. Mas, novamente, como a estrela da bossa nova Tom Jobim gostava de dizer, “O Brasil não é para principiantes“. Após quase 17 anos no país, minha opinião é de que a realidade está longe de ser tão atraente quanto o mito  e que contém muito menos sambaMas a história real é muito mais interessante